Jordão Eduardo de Oliveira Nunes
Artista, poeta, pesquisador, professor; o filho de Sergipe de coração irrequieto
A pinacoteca do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe carrega, com grande honra, o nome do célebre Jordão de Oliveira. Mas afinal, quem foi Jordão Eduardo de Oliveira Nunes?
Dedicatória Caminhos Perdidos
Menino aracajuano, nascido no dia 13 de outubro de 1900, perdeu seus pais logo cedo e por isso foi criado por sua tia, Emilia de Oliveira, chamada por ele, carinhosamente, de Tamãe. De origem humilde, as dificuldades foram presentes em sua juventude, sobre esse tempo Jordão recordava:
“Nossa casa era um ninho na tempestade. Tamãe, paciente, nada pedia. Eu nada podia prometer.”
Sem grandes propriedades, sua infância de pé no chão foi marcada pelas brincadeiras de menino, corria, tomava banhos de chuva, roubava cajus nos quintais e sítios da vizinhança , ia à feira, à missa do galo, e com alegria participava das festas populares. Quando adulto, Jordão admitia a influência que as tradições da cultura popular sergipana tiveram sobre ele e lhe ressoavam a alma.
"Todas as evasões populares em mim repercutiam como um processo de humanização do cotidiano" . (OLIVEIRA, JORDÃO, 1975, p.11)
Quanto a sua educação, Tamãe sempre lhe deixou solto, a vida lhe ensinava por meio das experiências. O menino ganhava o mundo, experimentava a infância e a liberdade. Mas isso não era suficiente, Jordão queria mais do que a cidade de Aracaju podia lhe oferecer, declarou:
"O que desejava era sair da minha terra; viajar, conhecer outras cidades maiores, onde pudesse viver e ver, de perto, as vivas representações dos meus estímulos." (OLIVEIRA, JORDÃO, 1975, p. 9)
Foi assim que aos 15 anos mudou-se para Recife onde trabalhou numa antiga casa de ferragens, chamada Aimoré. Nessa época, já fazia desenhos com crayon, influenciado e incentivado pelo seu professor de desenho geométrico no Ateneu Sergipense, Quintino Marques. Esse talento que se mostrava em Jordão chamava atenção e lhe rendeu uma carta de recomendação para trabalhar na famosa empresa ferroviária Tramway. Mas sua impaciência da infância nunca lhe deixou, por esta razão não se demorou muito em Recife e em 1921 seguiu para o Rio de Janeiro, onde também não se fixou, pois fugido da gripe espanhola regressou à terra natal.
De volta a Sergipe, Jordão correu para trabalhar e conseguiu cargo na revista da “Folha do Povo” e contribuiu com retratos e caricaturas para o jornal “Século XX”. Frequentou a casa de João Pequeno, ‘desenhista recém-chegado da cidade de Estância, hábil retratista a craião e pastel’ (OLIVEIRA, JORDÃO, 1975, p. 61) e também, a casa do poeta Antônio Garcia Rosa, por quem nutria carinho e admiração, junto de grandes intelectuais sergipanos. Foi na casa de Garcia, localizada na colina do Santo Antônio, que Jordão teve acesso à obras de inúmeros poetas e escritores, como também conheceu o artista J. Inácio, que lhe deu orientações e ajuda com materiais de arte. Esses encontros e rodas de conversas influenciaram positivamente o artista e essa experiência nunca foi esquecida. Sobre Garcia, Jordão escreveu: “Ele era o homem indicado, o mais compreensivo que eu sentia encarnar todas as funções de pai, de amigo, de mestre, de protetor.” (OLIVEIRA, JORDÃO, 1960, edição 00059; p. 10)
Sua vida estava calma, mas a rotina o sufocava, não era o que queria, não lhe bastava, queria aprimorar seu trabalho artístico, e decidiu: foi até o governador, Dr. Pereira Lobo, pedir uma bolsa para estudar na Escola Nacional de Belas-Artes. Deu certo, aos 21 anos, regressou ao Rio, agora para estudar o que tanto amava
Livro de Matrícula, Turma de 1921
Jordão empenhava-se em pôr em prática os conselhos de seu mestre, Lucílio de Albuquerque, e aos poucos seus desenhos ganharam cor. Iniciou na pintura. Evoluia. Inspirado pelo neoclássico, o impressionismo, fauvismo, a pintura ganhou seu coração, e desde então não se separou dos pincéis e tintas. As cores, as formas, as luzes não fugiam aos olhos do artista. Jordão de Oliveira estudou, pesquisou e produziu inúmeras obras, entre elas destacam-se suas belas paisagens e retratos e durante sua trajetória artística foi premiado.
Em 1930 Jordão tornou-se docente na ENBA. Sua atuação na instituição como professor de Desenho de Modelo-Vivo e de pintura foi de grande importância. Sua personalidade bondosa e mansa cativava os alunos e assim se consagrou como um dos mais queridos professores da Escola, até que, em 1937, assumiu a presidência da Sociedade de Belas Artes. Sobre sua atuação, uma de suas alunas, Isis Fernandes Braga (2016), da turma de 1954, conta:
“O Professor de Croquis, Professor Jordão de Oliveira, posteriormente foi da banca de meu concurso para Professora de Criação da Forma, em 1985. Ele nos fazia desenhar o Modelo Vivo em apenas alguns minutos; nós podíamos escolher a técnica, seja lápis, crayon ou aguada! E a cada dez minutos o modelo mudava de posição. Em geral eram modelos femininos que ficavam completamente imóveis.”
SESQUICENTENÁRIO DO ENSINO ARTÍSTICO NO BRASIL 150º ANIVERSÁRIO DA ESCOLA DE BELAS ARTES
Exímio professor de pintura e modelo-vivo, sempre priorizou a liberdade artística de seus alunos - o que não é surpresa dada a sua natureza desprendida. Sobre a educação de arte no Brasil, escreveu:
“Na escola, embora o mestre possa criar para os seus alunos uma "atmosfera de calor e de pureza" (11), a doutrina precisa de contornos definidos, para que a mocidade estudiosa saia de lá capacitada para atender aos impulsos do sentimento e às liberalidades da imaginação.” (OLIVEIRA, JORDÃO 1950)
Poemas
Sombra perene, luz sintética, polarizadas
no exíguo espaço do menor laboratório!
Reabsorvidas
de permeio ou talvez refletidas,
qualificadas,
misteriosamente,
as cores espectrais se animam de repente
e vão reter, na vertigem do hora a hora,
a beleza fugaz, a poesia - eu mesmo, lá fora…
PALETA
(p. 11)
Naquela noite, a horas,
as portas
já descendo, estrepitosamente,
deixamos, sonolentos, o bar.
Eu que humanizo as coisas simples, vira-a, ao desabrigo,
friorenta, a aguardar,
resignadamente, as sobras do mendigo…
Minha mãe! Jamais vi tão parecida!
Acordaram em mim a dúvida e a imaginação.
E como um cão
de cauda encolhida,
perdi a extroversão
e rumei para o quarto, a ruminar
o processo da minha moral…
Sósia, ela se espantou com meu espanto…
Por que não lhe fiz do meu casaco um manto
naquela noite fria?
E não recorri à largueza ocasional
da turma folgazã e amiga?
Bem poderia
ter sido minha mãe essa mendiga…
Uma santa não tem condição social…
A MENDIGA DA MADRUGADA
(p. 25)
Deixem-me só. Quero ficar só. Não
me visitem, não me tragam flores,
livro, cartas, recados, nem melhores
votos de boas-festas-e-feliz-entrada
de-ano-novo … Nada!
Foi muito longa a minha sujeição.
Deixem-me só, no espaço baldio,
no tempo vazio,
como deixaram seus avós
que se foram, sem nome e sem retrato.
Faz de conta que fui o último ato
da existência de nós.
Minha aventura de morrer…
Quero ficar só, me perguntar
que não me puderam responder
sua bondade,
sua maldade,
sua alegria, sua tristeza,
sua pobreza,
sua riqueza…
Quero mergulhar
no automatismo de hábitos cansados,
ficar despercebido,
morto-desconhecido.
Deixem-me só, tal
aquele tronco ou pedra - que sei eu - sobre o qual
vezes sem conta nos sentamos alheados.
Respondam que já morri,
que o herói não sou eu, não passou por aqui.
Quero apossar-me de mim,
no disfarce do meu fim.
Elos partidos…
funções dissociadas … unidade …
vontade …
alforria …
Deixem comigo não ficarmos divididos
mas esqueçam-me - gozem desse alívio
do meu viver a esmo,
longe do instável, ácido convívio,
de que apenas fui parte de mim mesmo.
Deixem-me só!
DEIXEM-ME SÓ!
(p.p. 38, 39)
Pesquisadora: Cardoso, Sara
REFERÊNCIAS:
OLIVEIRA, Jordão, A Cor das Coisas POEMAS; Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica; 1976
Arquivos da Escola Nacional de Belas-Artes - 1967; Disponível em: //eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2020/09/Arquivos-da-Escola-Nacional-de-Belas-Artes-19671.pdf
Arquivos da Escola Nacional de Belas-Artes - 1971; Disponível em: //eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2020/09/Arquivos-da-Escola-Nacional-de-Belas-Artes-19671.pdf
BRITTO, Mário; Artista do Mês de Maio – Jordão de Oliveira Disponível em: //www.pge.se.gov.br/artista-do-mes-de-abril-jordao-de-oliveira/
OLIVEIRA, Jordão, Caminhos Perdidos; Rio de Janeiro: Gráfica Ouvidor; 1975
CAVALCANTE, Ana et al; HISTÓRIA DA ESCOLA DE BELAS ARTES: REVISÃO CRÍTICA DE SUA TRAJETÓRIA - 2016; Disponível em: //eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2020/09/Historas-EBA-revisaocritica-20161.pdf
RIBEIRO, Marcelo; Jordão de Oliveira; Aracaju, Gráfica Sercore; 2006
OLIVEIRA, Jordão,Jornal do Comércio; 1960 Disponível em: //memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=364568_15&pesq=Jornal%20do%20Com%C3%A9rcio&pasta=ano%201960\edicao%2000059&pagfis=6563
OLIVEIRA, Jordão; Leonardo de Vinci: ("o gênio da ciência") - 1950; RJ